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OUTROS RASCUNHOS

 

Matreira.

Dissimulada,
Eterna,
Sorrateira,
Camuflada,
Eterna,
Trapaceira,
Estimulada,
Eterna.
 
Desde Caim, filho de Adão,
Desde então
Ela é a razão
E também o fel
Que matou Abel.
E esteve presente,
E acusou,
E condenou,
E no Gólgota executou,
Um filho inocente.
 
Vizinha da moralidade,
Madrinha da crueldade,
Divorciada de razões,
Conflituosa de emoções
Habita em todos os corações.
A sorte e o bem de outrem,
Alimentam e nutrem,
Sua eterna capacidade
Para a perversidade.
 
Será mesmo pecado
Quando tudo conspira,
Para que em todo o lado
Ela exista e respira ?
Pois quem nunca sentiu
A verdejante matéria,
Esta pérfida bactéria
Que a todos ungiu.

Humano me confesso
Pois ela me é familiar
E tal grotesco abcesso
De tudo faço para curar.
Mas pecador que sou,
A sina me condenou,
E pela vida vou,
Até a morte ceifar
Este pecado de invejar.



 

A Luxúria

 

Por ela, Adão

Caiu na tentação.
Perdendo a razão,
Cedeu no momento,
E ganhou o tormento
De uma vida de cão.
 
Desde tempos idos,
Que a luxuria animal
Anula a moral.
Impulsos desmedidos,
Contornam sentidos
E libertam o mal.
Tudo tão atual.
 
Não é só o sensual,
Não é apenas o desejo,
Mas mais o ensejo,
De um ganho irracional.
E com o sabor da vitória,
Naquele momento de glória,
Esconde-se a penúria

Que prossegue a luxuria.

 

A Soberba

Em tempos aconteceu,

Um anjo revoltoso
Desafiar o poder
De quem tudo desenhou.
A justa ira mereceu,
Soberbo e orgulhoso,
Acabou por receber
Os infernos que criou.
 
A nefasta influência,
Ainda hoje contamina,
E nem toda a sapiência
Do âmago elimina
O desejo de ser mais.
Pois a vaidade conquista
Filhos, avós e pais,
Numa onda narcisista.
 
A razão condena,
E a moral ordena
Que mais este pecado
Seja também evitado.
Mas cada um é joguete
No sorteio do destino,
E o premiado bilhete
Não assegura o divino.

 

Bum, bum, bum,

Rufa o tambor.
Ritmo nenhum
É tão ameaçador.
 
Bum, bum, bum,
Declama o escritor,
E na prosa comum
Se sente o pavor.
 
Bum, bum, bum,
Continua a rigor,
E algures, algum
Cede ao terror.
 
Bum, bum, bum,
Entoa o cantor,
É a faixa e o álbum
De todo o horror.
 
É, a razão retira !
Da paz faz mentira,
E a harmonia se revira,
Neste cântico da ira.

A Ira

A Gula

Umas tostas com paté,

Seguidas de um bom filé.
Uma lagosta Thermidor
E um coelho à caçador.
Um cremoso risoto de lula,
E nada, nada aplaca esta gula.
 
Nem o excesso mais doce,
Ou salgado que fosse,
Dá mais cheia satisfação
Do que uma farta refeição.
 
A temperança não tem lugar,
Pois tudo é para devorar,
E este vicio desenfreado
Jamais sacia este pecado.
 
Será mesmo ofensa capital
Quando o efeito é tão pessoal ?
Motivo de eterna danação
Ser apenas mais um glutão ?
 
Quem nos facultou a razão
Deveria ter incluído a opção,
De saber escolher o bem e mal,
Ser menos humano e mais racional.

 

A Ganância

​Mais, mais e mais !

Quero ouro e metais,
Diamantes e minerais.
Quero rupias e reais
E recursos naturais.
Tudo amo demais.
 
Não é ânsia natural
Amar o vil metal ?
E triplicar o capital
Já fez algum mal ?
Neste mundo material
Quem não o faz, afinal ?
 
Sempre um otimista,
Não me acho idealista,
Apenas um consumista
Com visão materialista.
 
E se a extravagância
Resulta da abundância,
Qual é então a relevância
Da desmedida ganância ?

 

A Preguiça

É uma grande injustiça,

Que de tempos imemoriais,
Se diga que a preguiça
É um dos pecados capitais.
 
A bem da verdade,
Esta doce inanidade,
Entorpece a capacidade
Ao retirar a liberdade,
De pecar à vontade.
 
E com afinco de omissão,
Se todos nós mortais
Praticássemos esta ação,
Evitaríamos as demais.
 
Nem cruz nem altar,
E nem a leveza do ar
Eu gosto de carregar.
Quanto mais pecar !
Disso, nem quero falar.​

 

A Inveja

Sonhar

Eu gosto mesmo é de sonhar !

Nada melhor que desfrutar
Tudo que não posso experimentar
Ao vivo, na realidade onde existo.

Os meus sonhos são só meus.
Neles eu existo e sou deus,
É onde vivem os meus apogeus,
Sucessos e fracassos que me permito.

Neles também sou um prisioneiro,

Pois há todo um cativeiro
Que nos retira a liberdade,
E capricha com a nossa humanidade.

Dentro deles posso ser viajante,
Fantasma, bicho, cartomante,
E ser escolhido para qualquer pauta,
De anjo, a ator, a astronauta...

Sonhos não são escolhidos,
Eles são feitos de fatos perdidos,
Pensamentos errantes e esquecidos,
E até sentimentos imerecidos.

Mas vou mesmo sentir falta de sonhar !
Quando nada mais houver a almejar,
E tudo aqui esteja por terminar
Nesse dia, que um dia vai chegar.​​

 

in memoriam

Ela


Ontem, ela estava cá.

No palco da nossa vida,
Num papel de musa e amiga,
Por todos amada e querida,
Uma mãe sem fadiga.

Hoje, ela não está.

Saiu da nossa vida,
Que nem sol que se suprime,
Chama de luz perdida,
Exaltada em brilho sublime.

Amanhã, ela estará lá.

Na memória vivente
De quem foram por ela criados,
Dádiva do carinho, e eternamente,
Sempre, por ela amados.

 

Emoções Pobres

Nas encostas da emoção,

Nunca viajou a razão.
Esta sempre ficou fora,
Longe de onde mora

O ilusório coração.

Qual deus criou a paixão ?
Ou é apenas a invenção
De uma humana emoção
Que sempre trai a razão.

Se foi obra divina
Alguém foi sovina.
Ficou pouco nobre,
E qualquer episódio,
Injusto ou pobre,
Leva-a ao ódio.

 

 

© 2012 by PAULO BARATA

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